quarta-feira, julho 24, 2002
Ainda sobre dia Segunda, 22 de Julho :)))
Como Os Radiohead Venceram Completamente
Por KATHLEEN GOMES
Público, Quarta-feira, 24 de Julho de 2002
Vibrante regresso a Portugal
Invulgar cumplicidade com a plateia, que ouviu em estreia o que aí vem: um álbum de guitarras. Thom Yorke esteve imparável
Vista de cima, a sala do Coliseu de Lisboa era, segunda-feira à noite, uma impressionante multidão comprimida. O motivo? Um novo congresso do PSD? Não: o início da mini-digressão ibérica dos Radiohead, que se despede no próximo sábado, no Coliseu do Porto, ao quinto concerto quase consecutivo (só na quinta-feira é que o quinteto britânico não actua) em solo português.
Para quem preza actuações ao vivo com a sua dose de imprevisibilidade, este era um "must". Sabendo-se de antemão que o concerto iria incluir material novo, a figurar no próximo álbum de originais da banda, previsto para a Primavera de 2003, a prova era arriscada. Ainda para mais, quando os Radiohead arrancaram com uma mão-cheia de temas inéditos, sem nenhum dos "hits" que os celebrizaram. Hinos como "Karma police" ou "No surprises", do álbum mais decisivo do quinteto de Oxford, "OK Computer", ficaram para mais tarde: tal como o PÚBLICO anunciara, o concerto foi dividido em dois "sets", com o primeiro a ser preenchido exclusivamente por canções novas.
Em todo o caso, os Radiohead entraram em palco triunfantes - o que uma ausência de cinco anos em território português ajuda a explicar - e assim saíram, ao fim de duas horas e meia de celebração. Excelentes anfitriões dos dois lados do palco, assistiu-se a uma invulgar cumplicidade entre assistência e banda, tudo sorrisos, com o líder dos Radiohead, Thom Yorke, visivelmente animado e a falar permanentemente para a plateia (é comum quebrar o silêncio nos concertos apenas para avisar que não vai falar).
A recepção ao material inédito foi, no mínimo, prometedora. A julgar pela amostra destes concertos-laboratório, tudo indicia que o próximo álbum marcará um regresso às guitarras e a um tom mais melódico do que os dois últimos álbuns, "Kid A" (2000) e "Amnesiac" (2001): canções curtas, servidas por "riffs" electrizantes de guitarras e pelo piano eléctrico de Thom Yorke. "There there" abre a noite, com os sons cavos do baterista Phil Selway, coadjuvado pelas percussões de Ed O'Brien e Jonny Greenwood. Yorke avisa que não estão autorizados a revelar os títulos das canções e vira a página do seu "songbook"-cábula. "Up on the ladder" proporciona um exorcismo, antes de Thom se sentar ao piano, para a lamentação planante de "We suck young blood", com o palco vestido de vermelho. Há propostas langorosas, a denunciar influências da música negra, como o coro de vozes de Thom Yorke, Ed O'Brien e Phil Selway num quase-gospel. "Sail to the moon" revela uns Radiohead mais etéreos, onde se parece escutar alguns acordes de "Lucky", mas é "Myxomatosis" que transforma o palco num ritual negro, antes da primeira parte fechar com aproximações ao funk. A electrónica é deixada de fora.
No intervalo recupera-se fôlego, e o regresso ao palco faz-se potenciando as três guitarras de serviço com "I might be wrong", recuperando o último álbum, "Amnesiac". Segue-se "Morning bell" e o primeiro "input" colectivo: "Karma police", com Thom Yorke na guitarra acústica, é cantado pelo Coliseu inteiro, a provar que vão longe os tempos em que o público português, na primeira visita dos Radiohead a Portugal, em 93, cantavam "I'm a creep/ I'm a window...". Só o primeiro álbum, "Pablo Honey" (1993), fica de fora, os restantes álbuns figuram irmamente no alinhamento. Com "Pyramid song", entra-se no caminho das estrelas: quase sempre discreto, o dispositivo cénico metamorfoseia-se numa projecção astral derramada sobre a sala. O sempre saltitante Colin Greenwood troca o baixo pelo contrabaixo e Thom Yorke senta-se de novo ao piano. Depois da cólera eléctrica de "Airbag" e "Paranoid android", a electrónica atreve-se, por fim, a surgir: o beat de "Idioteque" mergulha a sala numa imensa pista de dança, com Thom Yorke contorcendo-se e a garantir "You've never seen enough 'til my head comes off" ("nunca viram nada até a minha cabeça sair"). "Everything in its right place" prossegue na via electrónica e o título é sugestivo para uma primeira despedida.
O "encore" traz "uma velha canção", a calmaria de "Lift", tocada insistentemente na digressão de 1997, mas nunca editada, e o segundo álbum, "The Bends", é relembrado em dois temas, antes do concerto terminar com o "thriller" atmosférico de "How to disappear completely". A escolha não podia ser mais adequada, numa noite em que os Radiohead demonstraram como vencer completamente. "For a moment there, I lost myself", cantara Thom Yorke em "Karma police" - e a confissão ecoa no final de um concerto fulgurante.
Música: OK, Radiohead... Tá-se bem!
Nuno Galopim
Diário de Notícias, 24 Julho 2002
Visivelmente encantado com a reacção dos portugueses às novas canções, Thom Yorke, sentado ao piano de parede (mas a meio da sala), virou-se para Ed O'Brien, perguntou-lhe como é que se dizia a "tal" frase, e lá experimentou o seu português: "Tá-se bem"... E os aplausos rompem novamente no Coliseu.
A noite foi, de facto, especial. E, sem dúvida, inesquecível. Tal como acontecera em 1997, na última visita dos Radiohead a palcos portugueses, o reencontro fez-se em clima de ensaio de novas canções. Há cinco anos, Lisboa era a primeira cidade a escutar os temas novos de OK Computer. Na segunda-feira, o Coliseu dos Recreios devolveu à cidade a tarefa-laboratório de ensaio do que poderá ser o próximo álbum do grupo, cujas gravações deverão continuar depois de terminada esta curta digressão por Portugal e Espanha (os únicos territórios onde os Radiohead vão tocar este ano).
Inteligente, o espectáculo foi dividido em duas partes. Numa primeira ouvimos, de seguida, as novas canções. E que canções! Assinalando um regresso às guitarras, frequentemente contando com o piano como o seu melhor amigo, o grupo mostrou como das aventuras electrónicas de Kid A e Amnesiac nasceu uma linguagem que agora é transposta para uma linguagem rock, uma vez mais colocando o grupo na vanguarda da invenção. A surpresa conduziu a saborosa descoberta de temas como o "zeppeliniano" Up On The Ladder, a balada (quase de tempero anos 50) I Will e o poderoso Myxomatosis (claro candidato a single!). Dos inéditos novos escutaram-se ainda os igualmente cativantes There There, Scatterbrain, We Suck Young Blood, Sail To The Moon e A Punch Up At A Wedding.
Depois de uma pausa de 20 minutos, os cinco regressaram ao palco para hora e meia de "clássicos". Centraram, então, grande parte do alinhamento em canções de Kid A e Amnesiac, abordando-as de forma mais "urgente" e rápida, tal como aconteceu nos espectáculos das digressões de 2000 e 2001 (que não passaram por nós). Temas como Idiotheque, Everything In It's Right Place ou mesmo National Anthem conhecem nova pulsação mais rápida, mais contagiante. Ao mesmo tempo, baladas e temas de tez ambiental como os belíssimos Pyramid Song, Morning Bell, o genial Dollars &icom; Cents ou You And Whose Army ganham corpo ainda mais frágil... De memória antiga tocaram apenas dois temas de The Bends, quatro de OK Computer e o "velhinho" inédito Lift.
Para o efeito da teatralização das canções contribuiu, em muito, não só a entrega única de Thom Yorke e um palco que, mesmo minimalista em recursos (vários focos e cinco pequenas torres de luz), garantiu versáteis cenários, cada qual mais perfeito para a canção em questão. O som esteve também de primeira água, denunciando a totalidade das frases, efeitos e tons dos instrumentos, servindo igualmente a fragilidade da voz de Thom Yorke. Se uma conclusão é possível com apenas uma noite de palco, é a da certeza de termos, no próximo disco dos Radiohead, mais um candidato a merecer registo na história da música. Esperemos, agora, alguns meses. Talvez ainda este ano, talvez só em 2003...
No final da noite, visivelmente felizes, os cinco Radiohead comentavam a abertura dos portugueses à descoberta de novas canções. Mas também é verdade que Lisboa viu poucos concertos como este!
salamandrine 11:37
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